Vanessa Leite
Eu reprovei.
Reprovei meu exame de qualificação. Acabou meu doutorado.
É isso mesmo. Se você só queria saber o que aconteceu, foi isso. Reprovei. Uma reprovação que equivale a dizer que nao fui apta a cumprir os requisitos de qualificação para o doutorado. E acabou. Mas esse texto todo não é pra isso. É pra quem quer entender o que aconteceu, se eu conseguir me explicar. É pra eu dividir como me sinto. Sei que não sou a primeira a passar por isso, e não serei a última, mas isso não traz nenhum conforto.
Durante o semestre eu percebi que a disciplina era bem difícil. O curso de "Optimizacao Matematica" era uma disciplina de 11 créditos (vc precisa de 12 para todo o doutorado), do departamento de matemática. O professor era muito bom, sentia que a cada aula eu aprendia, mas não no ritmo que o assunto cobrava. Três semanas antes do meu exame, eu estava discutindo meu plano de pesquisa, e eu não tinha dados, nao tinha certezas, e tava me forçando a manter a compostura, mas chorei em uma reunião. Não era a primeira vez que eu chorava no doutorado, mas era a primeira numa reunião, ali, praticamente “sem razão”. Foi quando senti que estava sem estrutura, lutando. Me sentia completamente pressionada com o deadline de entregar um projeto de pesquisa sem saber o que fazer, e com a prova se aproximando, sabendo que era a última para qualificar (já havia passado por outras quatro provas, e nem assim, a tensão diminuia). Eu sabia que precisava passar pra me manter no doutorado (é necessário qualificar dentro do período de um ano -- no meu caso, um ano e meio, já que eu havia pedido seis meses de prorrogação por causa da não oferta de uma disciplina). Duas semanas antes da prova eu nao fazia nada do meu projeto/trabalho. Apenas estudava pra prova. Visitava os monitores da disciplina regularmente, tirava dúvidas por email, lia outros materiais que encontrava. Eu me sentia bem nervosa, eu tinha que passar, e eu achava que estava preparada.
Meu exame tinha apenas quatro questões. De provas matemáticas. Fiz duas questões achando que estava bem. As outras duas fiz torcendo pelo melhor. Não deixei nada em branco. Se eu saí da prova achando que ia passar? Não é pra tanto. Mas eu estava ali no feeling de que havia esperanças. Mas então, logo depois veio o resultado. Minha nota? 2. A nota máxima por aqui é 6, e a nota para passar é 4. Nao consigo nem descrever como 2 é uma nota horrível. Eu definitivamente não estava preparada pra essa nota. Eu ri quando recebi a nota. Sei lá, acho que eu nao tava processando direito. No momento em que eu contei pra primeira pessoa eu chorei. Sentia que o mundo tinha acabado, eu queria me esconder, senti muita vergonha, me senti a pior pessoa da face da terra. A mais incompetente, a mais incapaz, a que nao serve pra nada. Parece demais, né? Eu sei. Mas não posso negar como me senti naquele momento. Chorei e não conseguia me recompor. Fiquei duas horas no banheiro chorando. Cada vez que eu pensava na reprovação eu ficava em choque, não acreditava no que tinha acontecido. E, em inglês, o resultado vem como FAILED. Eu nao tinha apenas reprovado, era mais profundo que isso. Eu tinha falhado. Eu senti que falhei comigo mesma, com os meus sonhos, minhas aspirações. Falhei com cada pessoa que acreditou em mim, que achou que eu era capaz. Falhei com minha família, que aguenta toda a distância e saudade por que eu tomei uma decisão e que, agora, eu falhava. Fui pra casa e chorei por dois dias, não fui trabalhar. Cada vez que eu achava que tinha superado, eu tentava contar pra alguém e chorava. Chorava só de pensar em contar. A verdade é que precisei de duas semanas pra ter coragem de contar pra minha família. Duas semanas e, enquanto repito pra mim mesma: “eu superei”, eu não conseguia dizer: “reprovei e estou ok com isso” sem chorar. Hoje já não choro, posso dizer que to no nível do “apenas lacrimejo” quando conto. E sei que tenho muito mais coisas para agradecer do que para lamentar, mas ainda carrego a culpa pelo que aconteceu. Eu sei que a vida não acaba, que há sofrimentos piores, mas falhar desse jeito me abalou. E, no fim, no dia que eu resolvi contar pra minha família, foi o dia que eu comecei a superar de fato. Ouvir deles que eu não era uma decepção como eu me sentia, fez a cicatrização acelerar.